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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Réquiem para Hayek - Texto de Ernesto Germano Parés – 11 de setembro de 2008

Friendrich von Hayek nasceu na Áustria e é considerado o grande pensador do neoliberalismo. Em 1946 escreve “O Caminho da Servidão”, contestando violentamente qualquer forma de planejamento da economia ou o seu controle por parte do Estado. Defende com vigor as teorias da economia clássica inglesa e os conceitos sobre a “mão invisível do mercado” capaz de corrigir qualquer deslize.
Em 1979, coroando um longo trabalho de preparação e ideologização da Sociedade Mont-Pèlerin, a Inglaterra elege Margareth Thatcher - a “Dama de Ferro” -, ela própria discípula de von Hayek. Inicia-se a grande transformação da economia mundial e o mundo começa a ouvir falar em neoliberalismo.
Durante quase trinta anos ouvimos as muitas e variadas louvações ao tal mundo neoliberal e todos aqueles que duvidavam de que havíamos chegado ao “paraíso” eram chamados de dinossauros. Qualquer um que duvidasse da onipresença e onipotência do mercado era imediatamente taxado de louco, remanescente do período anterior ao “muro” e saudosista de um marxismo que diziam estar morto. Alguns chegaram mesmo a afirmar a morte e sepultamento da história e das lutas sociais. Não faltaram exaltações à total retirada do Estado da vida econômica e à liberdade suprema da iniciativa privada.
Milton Friedman, um dos grandes expoentes deste pensamento, escreve em seu livro Capitalismo e Liberdade (1962) que “o espaço de atuação do governo deveria ser limitado. Sua principal tarefa deveria ser proteger nossa liberdade, assegurar a ordem e os contratos privados e promover mercados competitivos.” (grifado por mim). Certamente, ao falar de “liberdade” deve estar pensando na “liberdade de mercados” tão preconizada. Para Hayek a verdadeira “liberdade” seria garantir a total independência do mercado ou, como ele escreve, “o mercado deve ser protegido contra o Estado”.
Os anos 80 e 90 do século passado foram marcados pela avalanche de privatizações, sempre sob a argumentação de que o correto seria a existência de um “Estado mínimo”, enxuto e limitado a cumprir apenas a função de garantir a propriedade. O Estado era apresentado como um paquiderme, não competitivo e prejudicial aos interesses econômicos.
O século XXI começa com alguns sinais de que havia “algo no ar além dos aviões de carreira”. A total liberdade dada ao mercado e a falta de regulamentações levavam a uma desesperada busca pelos maiores lucros. Chegava-se a extremos para tentar dar a maior remuneração possível aos acionistas das empresas, senhores do feudalismo moderno, a ponto de causar as primeiras crises graves, como a falência da Enron e o escândalo da WorldCom! Ali já se via que o mercado não tinha todas soluções para seus próprios problemas.
Crises apareciam e o Estado era novamente chamado a intervir. A crise das hipotecas, nos EUA, mostrava a fragilidade de um sistema que pensava estar imune a tormentas. Em setembro de 2007, o Banco da Inglaterra (BoE, banco central) foi obrigado a lançar mão do tesouro público para salvar o banco Nothern Rock da falência. E os relatórios oficiais diziam que o problema era já causado pela situação estadunidense.
Mas os exemplos não param aí. Em julho deste ano, depois de todas as propagandas contra a ineficiência do Estado e as maravilhas das privatizações, o povo argentino acordou e descobriu que “não era bem assim”. No dia 21, o governo anunciava oficialmente a estatização da companhia aérea Aerolíneas Argentinas. O controle da empresa estava nas mãos do grupo Marsans e mais da metade da frota sem condições de vôo. Criada em 1950, pelo presidente Juan Perón, foi privatizada em 1991, no auge da “febre” que sacudiu a América Latina. Foi comprada pela espanhola Ibéria (US$ 560 milhões) que a vendeu para a American Airlines que, por sua vez, a vendeu para a Sociedad Estatal de Participaciones Industriales (Sepi), da Espanha, sendo depois adquirida pela Marsans. Na Argentina, várias empresas privatizadas nos anos 1990 já voltaram às mãos do Estado: os Correios em 2005 e a companhia fornecedora de água, em 2006.
No início desta semana, por fim, vemos que o ciclo liberal pregado por Hayek vai se esgotando. Vencido pela imensa crise financeira interna e pela queda dos mercados, ainda que tantas guerras tenham sido feitas para mantê-los, o governo estadunidense não encontra outra saída senão lançar mão do seu orçamento para salvar as duas grandes (principais) empresas do mercado hipotecário do país. Fannie Mae e Freddie Mac, as empresas agora “salvas” pelo governo, são responsáveis por mais da metade dos US$ 12 trilhões em empréstimos para a habitação no país.
Vale considerar que o investimento feito pelo governo Bush não é desprezível. São US$ 200 bilhões que saem do tesouro público para resgatar duas empresas privadas e evitar o colapso da economia. Para fazer uma comparação, a Guerra do Iraque custa, atualmente, cerca de US$ 12 bilhões por mês. Ou seja, para salvar as duas empresas em crise Bush está investido quase um ano e meio de guerra! Da guerra que foi iniciada para garantir os mercados de energia para os EUA.
Mas ainda resta fazer um registro sobre o assunto. Ao tomar a decisão de intervir em empresas privadas e assumir novamente as rédeas da crise o governo Bush está retirando as duas máscaras do neoliberalismo. Agora fica clara a ideologia de Hayek ao dizer que os lucros são privados e os prejuízos públicos. Não porque o Estado seja ineficiente, como ele pregava, mas porque foi criado e mantido para servir ao sistema. Por outro lado, comprova também o que sabemos há muito: cabe ao Estado intervir pela sociedade e não contra ela!